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A cobertura vegetal da cidade de Campinas é constituída por fragmentos isolados, em geral bastante degradados. Neste contexto, os corredores ecológicos – faixas de vegetação homogêneas e lineares – desempenham uma função primordial. Ao conectar os remanescentes florestais, reduz-se a fragmentação entre eles, possibilitando o fluxo genético entre populações da fauna. Qual a importância dessas e das demais áreas verdes presentes na Fazenda Argentina e no território do Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS)? Como a ocupação da Fazenda Argentina vai impactar este patrimônio?

Foi para discutir propostas para a ocupação e a regeneração da Fazenda Argentina que a Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH) reuniu pesquisadores, professores e funcionários da Universidade e da Prefeitura de Campinas no dia 16 de dezembro. “A aquisição da Fazenda Argentina é uma oportunidade de buscar novas relações com o meio ambiente. Temos que refletir sobre a ocupação deste espaço com água, animais e pessoas. É o que estamos iniciando com este workshop”, afirmou Silvia Maria Santiago, Diretora Executiva de Direitos Humanos.

Nas proximidades do HIDS há dois parques lineares: o Parque Ecológico Hermógenes de Freitas Leitão Filho e o Parque Linear Ribeirão das Pedras. A criação desses Parques possibilitou a formação de um corredor ecológico com 10 quilômetros de extensão entre bairros, centros comerciais, Unicamp e campus 1 da PUC-Campinas. Há fragmentos de vegetação natural, alguns já tombados, como a Mata Santa Genebra e a mata do Sítio São Martinho, Áreas de Preservação Permanente (APP). O perímetro do HIDS abrange grande parte do Núcleo de Conectividade Santa Genebra e abriga o Corretor Ecológico “Mata Santa Genebrinha – APP Ribeirão Anhumas”, estabelecido pela Resolução Municipal nº 13 de 2016, que conecta as áreas de vegetação nativa desta região.

No entanto, embora oficializadas (em resolução municipal), não há conexões reais entre essas áreas. “Falta arborização ao longo dos corredores, há passadores de fauna sendo cruzados pelo sistema viário e descontinuidade das rotas de fauna entre fragmentos de vegetação”, explicou a arquiteta, urbanista e coordenadora do Plano Diretor da Unicamp, Thalita dos Santos Dalbelo. Segundo ela, já existe um plano de ação para conectar as áreas de preservação e os polígonos de compensação do campus Zeferino Vaz e da Fazenda Argentina. Essa conexão, que incluiria os fragmentos de vegetação da área externa à universidade, permitiria o fluxo gênico de fauna e flora através de passadores de fauna, de plantio e manutenção de vegetação nos corredores ecológicos, com seu cercamento e sinalização. “A ideia é executar esse plano em parceria com a Divisão de Meio Ambiente (DMA), mas dependemos de recursos para implementar o projeto executivo e, depois, para o plantio de árvores, para o cercamento do corredor, para as obras dos passadores de fauna e, finalmente, para a manutenção”, aponta a arquiteta.

Mapa HIDS – Patrimônio Socioambiental: https://arcg.is/e0DrH. Crédito: Coordenadoria de Georreferenciamento/DEPI
Mapa HIDS – Patrimônio Socioambiental: https://arcg.is/e0DrH. Crédito: Coordenadoria de Georreferenciamento/DEPI

O passado e o futuro – A conectividade entre os fragmentos de vegetação e entre as duas microbacias – a do Anhumas e a do Rio das Pedras – deve contribuir para a sobrevivência de diversas espécies. “É fundamental avaliar os erros do passado ao expandir a área que ocupamos”, observou o veterinário Paulo de Tarso, coordenador do Centro de Monitoramento Animal (CEMA-DMA). A canalização de córregos e as edificações em áreas próximas a nascentes (e, portanto, alagáveis) são dois exemplos. Paulo chamou atenção também para a necessidade de manutenção da flora, com plantio de espécies nativas, o que atrai uma fauna diversa que inclui capivaras, pacas, cachorros do mato, coelhos, veados e aves.

O professor e pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Herling Gregorio Aguillar Alonzo, defendeu ampliar as discussões sobre o desenvolvimento sustentável na Unicamp, incluindo mais atores, para refletir sobre a ocupação da Fazenda Argentina. “Temos que aumentar as áreas verdes e não somente manter o que já temos”, disse.

Até 2018, segundo a legislação de uso e ocupação do solo, Campinas tinha 2/3 de área rural e 1/3 de área urbana. No entanto, conforme explicou Sueli Thomaziello, da Secretaria Municipal do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, ainda que os estudos então apontassem haver em Campinas espaços vazios no perímetro urbano suficientes para o crescimento populacional dos 50 anos seguintes, as pressões do setor imobiliário foram tão fortes que acabaram resultando na alteração da lei de ocupação e uso do solo, invertendo as proporções no Plano Diretor de 2018. A Fazenda Argentina é diretamente afetada por essa mudança, passando a fazer parte do perímetro urbano, o que implica diferentes regras de ocupação. “É, portanto, o momento ideal para discutir a conversão de um espaço natural para um espaço urbanizado, considerando os princípios do desenvolvimento sustentável. Será essencial identificar as nascentes e cursos fluviais e, então, projetar as áreas de preservação permanente e preservar os corredores ecológicos”, disse Sueli.

Ela sugeriu que o processo de ocupação envolva, primeiramente, um novo estudo hidro-geológico para identificar corretamente as nascentes. “É muito importante que a Unicamp preserve essas áreas verdes a partir da definição de APP dada pelo Código Florestal”, complementou. No início de dezembro, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) oficializou a contratação da empresa que fará o diagnóstico ambiental do território do HIDS, o que inclui o levantamento das nascentes.

Localizada entre a Mata Santa Genebra (Unidade de Conservação) e a Mata Ribeirão Cachoeira (núcleo da APA Campinas e maior unidade de conservação do município), a Mata Santa Genebrinha é um ponto de conectividade entre fragmentos menores. Daí a importância de o processo de ocupação da Fazenda Argentina e do HIDS considerar o enriquecimento dos fragmentos de vegetação presentes neste território. “Isso será fundamental para uma gestão ambiental que de fato cumpra os ODS neste novo espaço na Unicamp”, considerou Sueli.

Adensamento – O processo de urbanização, no entanto, não precisa estar necessariamente na contramão da proteção e do cuidado com o meio ambiente. “É possível ter alta densidade populacional e preservar o meio ambiente, adotando os conceitos de ‘cidade compacta’ e de ‘cidade de 15 minutos’. São modelos de urbanização que possibilitam adensar e, ao mesmo tempo, reservar espaços vazios”, explicou a arquiteta e professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FECFAU), Gabriela Celani, que coordena a componente do modelo físico-espacial do HIDS.

Segundo ela, esse seria o caminho para uma ocupação da Fazenda Argentina que aproveitaria todo o potencial da área, onde há importantes instituições de pesquisa, como o CNPEM, o CPQD e o Instituto Eldorado, por exemplo. “Acredito que temos uma grande oportunidade de geração de conhecimento”, complementou. Alunos da Especialização em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia Civil (Curso 90E), coordenada pela arquiteta, elaboraram uma série de propostas ligadas ao ambiente urbano dentro de uma perspectiva socioambiental. Uma delas é a criação do Parque das Anhumas, delimitado a partir das faixas demarcadas como APPs do Ribeirão das Anhumas, abrangendo também as áreas inundáveis ao longo do trecho do ribeirão presente no perímetro do HIDS. A proposta levou em conta o potencial turístico, cultural e ecológico da área, compondo um eixo de vegetação e de patrimônio histórico da região.

Proposta do parque linear do HIDS – fonte: Especialização FEC/Unicamp
Proposta do Parque Linear do HIDS – fonte: Especialização FECFAU/Unicamp

Para Wagner Romão, diretor adjunto da DeDH, é preciso uma política sólida que contemple os corredores de fauna e flora. “A Fazenda Argentina precisa ser um exemplo do que pode ser a Universidade como um todo: sem perder o caráter pedagógico e tendo clareza do que queremos aprender e do que queremos ensinar com esse projeto”, disse. Ele sugeriu organizar um ciclo de seminários sobre a ocupação da Fazenda Argentina, com envolvimento de vários participantes, e ampliar o diálogo com as comissões ligadas à DeDH. Silvia Santiago lembrou da possibilidade de a Fazenda ser um espaço para produção de alimentos em um modelo agroecológico, agregando conceitos da ecologia e saberes tradicionais. “Podemos pensar, inclusive, em fornecer alimentos para os restaurantes do campus, ou mesmo para comunidades e escolas do entorno”, sugeriu. “Não podemos passar de uma monocultura de cana para uma “cultura de prédios e laboratórios”. Temos que diversificar as formas de ocupação, considerando modelos que não visem apenas à exploração, mas sim estabelecendo trocas com o território”, finalizou a coordenadora da DeDH.

Laboratório vivo e saberes ancestrais

Entre as propostas para a ocupação da Fazenda Argentina está a criação da Casa de Saberes Ancestrais, projeto da Diretoria de Cultura (DCult). De acordo com a diretora adjunta da DCult, Carolina Cantarino, a ideia foi motivada pela possibilidade de ter um espaço multiétnico na Unicamp, valorizando a presença das sabedorias tradicionais, como a dos povos indígenas, dos quilombolas e caiçaras. “A Casa pode ser um centro de pesquisa, um laboratório vivo que mobilize os 240 estudantes indígenas hoje na Unicamp. “Acreditamos que esta aliança política é vital para a universidade, favorecendo os processos de regeneração, a partir de outros modos de relação com a terra”, disse.


Reprodução: Portal Unicamp

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