Em discussão propostas para ocupação da Fazenda Argentina


Mapa HIDS – Patrimônio Socioambiental: https://arcg.is/e0DrH. Crédito: Coordenadoria de Georreferenciamento/DEPI
Mapa HIDS – Patrimônio Socioambiental: https://arcg.is/e0DrH. Crédito: Coordenadoria de Georreferenciamento/DEPI

O passado e o futuro – A conectividade entre os fragmentos de vegetação e entre as duas microbacias – a do Anhumas e a do Rio das Pedras – deve contribuir para a sobrevivência de diversas espécies. “É fundamental avaliar os erros do passado ao expandir a área que ocupamos”, observou o veterinário Paulo de Tarso, coordenador do Centro de Monitoramento Animal (CEMA-DMA). A canalização de córregos e as edificações em áreas próximas a nascentes (e, portanto, alagáveis) são dois exemplos. Paulo chamou atenção também para a necessidade de manutenção da flora, com plantio de espécies nativas, o que atrai uma fauna diversa que inclui capivaras, pacas, cachorros do mato, coelhos, veados e aves.

O professor e pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Herling Gregorio Aguillar Alonzo, defendeu ampliar as discussões sobre o desenvolvimento sustentável na Unicamp, incluindo mais atores, para refletir sobre a ocupação da Fazenda Argentina. “Temos que aumentar as áreas verdes e não somente manter o que já temos”, disse.

Até 2018, segundo a legislação de uso e ocupação do solo, Campinas tinha 2/3 de área rural e 1/3 de área urbana. No entanto, conforme explicou Sueli Thomaziello, da Secretaria Municipal do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, ainda que os estudos então apontassem haver em Campinas espaços vazios no perímetro urbano suficientes para o crescimento populacional dos 50 anos seguintes, as pressões do setor imobiliário foram tão fortes que acabaram resultando na alteração da lei de ocupação e uso do solo, invertendo as proporções no Plano Diretor de 2018. A Fazenda Argentina é diretamente afetada por essa mudança, passando a fazer parte do perímetro urbano, o que implica diferentes regras de ocupação. “É, portanto, o momento ideal para discutir a conversão de um espaço natural para um espaço urbanizado, considerando os princípios do desenvolvimento sustentável. Será essencial identificar as nascentes e cursos fluviais e, então, projetar as áreas de preservação permanente e preservar os corredores ecológicos”, disse Sueli.

Ela sugeriu que o processo de ocupação envolva, primeiramente, um novo estudo hidro-geológico para identificar corretamente as nascentes. “É muito importante que a Unicamp preserve essas áreas verdes a partir da definição de APP dada pelo Código Florestal”, complementou. No início de dezembro, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) oficializou a contratação da empresa que fará o diagnóstico ambiental do território do HIDS, o que inclui o levantamento das nascentes.

Localizada entre a Mata Santa Genebra (Unidade de Conservação) e a Mata Ribeirão Cachoeira (núcleo da APA Campinas e maior unidade de conservação do município), a Mata Santa Genebrinha é um ponto de conectividade entre fragmentos menores. Daí a importância de o processo de ocupação da Fazenda Argentina e do HIDS considerar o enriquecimento dos fragmentos de vegetação presentes neste território. “Isso será fundamental para uma gestão ambiental que de fato cumpra os ODS neste novo espaço na Unicamp”, considerou Sueli.

Adensamento – O processo de urbanização, no entanto, não precisa estar necessariamente na contramão da proteção e do cuidado com o meio ambiente. “É possível ter alta densidade populacional e preservar o meio ambiente, adotando os conceitos de ‘cidade compacta’ e de ‘cidade de 15 minutos’. São modelos de urbanização que possibilitam adensar e, ao mesmo tempo, reservar espaços vazios”, explicou a arquiteta e professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FECFAU), Gabriela Celani, que coordena a componente do modelo físico-espacial do HIDS.

Segundo ela, esse seria o caminho para uma ocupação da Fazenda Argentina que aproveitaria todo o potencial da área, onde há importantes instituições de pesquisa, como o CNPEM, o CPQD e o Instituto Eldorado, por exemplo. “Acredito que temos uma grande oportunidade de geração de conhecimento”, complementou. Alunos da Especialização em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia Civil (Curso 90E), coordenada pela arquiteta, elaboraram uma série de propostas ligadas ao ambiente urbano dentro de uma perspectiva socioambiental. Uma delas é a criação do Parque das Anhumas, delimitado a partir das faixas demarcadas como APPs do Ribeirão das Anhumas, abrangendo também as áreas inundáveis ao longo do trecho do ribeirão presente no perímetro do HIDS. A proposta levou em conta o potencial turístico, cultural e ecológico da área, compondo um eixo de vegetação e de patrimônio histórico da região.

Proposta do parque linear do HIDS – fonte: Especialização FEC/Unicamp
                                    Proposta do Parque Linear do HIDS – fonte: Especialização FECFAU/Unicamp

Para Wagner Romão, diretor adjunto da DeDH, é preciso uma política sólida que contemple os corredores de fauna e flora. “A Fazenda Argentina precisa ser um exemplo do que pode ser a Universidade como um todo: sem perder o caráter pedagógico e tendo clareza do que queremos aprender e do que queremos ensinar com esse projeto”, disse. Ele sugeriu organizar um ciclo de seminários sobre a ocupação da Fazenda Argentina, com envolvimento de vários participantes, e ampliar o diálogo com as comissões ligadas à DeDH. Silvia Santiago lembrou da possibilidade de a Fazenda ser um espaço para produção de alimentos em um modelo agroecológico, agregando conceitos da ecologia e saberes tradicionais. “Podemos pensar, inclusive, em fornecer alimentos para os restaurantes do campus, ou mesmo para comunidades e escolas do entorno”, sugeriu. “Não podemos passar de uma monocultura de cana para uma “cultura de prédios e laboratórios”. Temos que diversificar as formas de ocupação, considerando modelos que não visem apenas à exploração, mas sim estabelecendo trocas com o território”, finalizou a coordenadora da DeDH.

Laboratório vivo e saberes ancestrais

Entre as propostas para a ocupação da Fazenda Argentina está a criação da Casa de Saberes Ancestrais, projeto da Diretoria de Cultura (DCult). De acordo com a diretora adjunta da DCult, Carolina Cantarino, a ideia foi motivada pela possibilidade de ter um espaço multiétnico na Unicamp, valorizando a presença das sabedorias tradicionais, como a dos povos indígenas, dos quilombolas e caiçaras. “A Casa pode ser um centro de pesquisa, um laboratório vivo que mobilize os 240 estudantes indígenas hoje na Unicamp. “Acreditamos que esta aliança política é vital para a universidade, favorecendo os processos de regeneração, a partir de outros modos de relação com a terra”, disse.

Disponível em: Portal Unicamp